Estudiosa, Luana Wedekin coloca os seus atributos a serviço da pesquisa e do ensino. Nascida em São Paulo em junho de 1971, vive em Florianópolis, onde atua como educadora. Intuitiva e generosa, com uma incontida imaginação, alarga a potência sensível quando o trabalho pede acuidade na leitura de obras artísticas na maioria vezes complexas. Professora na graduação em design, no Departamento de Design do Centro de Artes, Design e Moda da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), em Florianópolis (SC) e no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV/Udesc), linha de teoria e história das artes visuais, tem estágio pós-doutoral na linha de teoria e história da arte no PPGAV/Udesc (2016), doutorado em psicologia (UFSC/2015), M.A. em história da arte pelo The Courtauld Institute of Art (University of London, UK-2013/14) e mestrado em antropologia social (UFSC/2000).

Seu amplo currículo também aponta especialização em estudos culturais (UFSC/1997); graduação em educação artística habilitação em artes plásticas (Udesc/1993). Fora da sala de aulas, atua como membro do Comitê Brasileiro de História da Arte (CBHA), Associação Nacional de Pesquisadores de Artes Plásticas (Anpap) e Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA). É também membro do grupo de pesquisa História da Arte: imagem- Acontecimento e editora da revista “Palíndromo”, ambos vinculados ao PPGAV/Udesc e participa do grupo Montagem no Discurso Historiográfico Artístico (UnB).

Nesta entrevista concebida com exclusividade à jornalista Néri Pedroso, ela comenta a importância do seminário  “Tudo se Deseja Ver – Mergulhos na Coleção Collaço Paulo” que une quatro instituições na realização em Florianópolis (SC), nos dias 9 e 10 de novembro, no Museu Catarinense da Escola (Mesc), um dos promotores junto ao Instituto Collaço Paulo Centro de Arte e Educação, ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e à Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA). Ela comenta o valor dessa parceria, os cuidados adotados na constituição desta agenda que une estudiosos de diferentes áreas do saber, da criação de um livro, em preparação, para documentar os artigos resultados da disciplina territorialidades modernas e contemporâneas no PPGAV/Udesc.

Ela aborda também sobre o diálogo entre uma instituição de ensino e uma instituição privada do terceiro setor voltada a um projeto de arte e educação e do quanto é necessária a aproximação dos estudantes com um acervo como a Coleção Collaço Paulo. Comenta também sobre o fechamento do Museu de Arte de Santa Catarina (Masc), o mais importante do Estado e de como isso impacta a vida acadêmica e a cidade.

Por fim, ensina sobre a leitura de imagens, no que exatamente consiste o gesto que ajuda a desvendar um trabalho artístico. “A [boa] arte é fenômeno complexo – nenhuma teoria sozinha explica a irrupção e o sentido de uma boa obra de arte. Como identificamos uma boa obra de arte? Tema espinhoso, pois hoje em dia parece que o juízo acerca da arte não pode mais ser feito. Mas, costumo dizer para meus alunos – a gente sabe quando uma obra de arte é boa, quando ela nos fala sobre seu próprio tempo, mas transcende os limites espaço-temporais”, diz ela.

 

“Tudo se Deseja Ver – Mergulhos na Coleção Collaço Paulo” – no que consiste o livro e o seminário?

Luana Wedekin – O seminário e o livro são resultado da disciplina territorialidades modernas e contemporâneas, ministrada por mim e pela professora doutora Sandra Makowiecky no PPGAV/Udesc, no semestre 2023/1. Nossa ideia foi vincular o trabalho final da disciplina com a Coleção Collaço Paulo, de maneira que cada estudante escolheu uma obra de duas exposições realizadas no Instituto Collaço Paulo: “Mais Humano: Arte no Brasil de 1850 -1930” e “Martinho de Haro: Indivisível Substância” como tema do trabalho, a ser articulado com os conceitos e referenciais teóricos trabalhados no semestre. Destes artigos finais da disciplina, somados a artigos de pesquisadoras convidadas de nosso grupo de Pesquisa História da Arte: Imagem-acontecimento, surgiu a ideia do seminário e do livro.

Cada aluno escolheu o seu tema? Como foi o processo deste estudo até chegar ao seminário e ao livro?

Wedekin – Os estudantes poderiam explorar o catálogo das exposições “Mais Humano: Arte no Brasil de 1850 -1930” ou visitar a mostra “Martinho de Haro: Indivisível Substância” e, entre as duas, escolher uma obra para desenvolver um artigo de cerca de dez páginas, articulando conceitos e referenciais estudados. Trabalhamos com as categorias estéticas e os gêneros artísticos, e ambas as coleções eram muito sugestivas para pensar esses conteúdos. Os estudantes realizaram seus trabalhos finais, receberam feedback das professoras e fizeram ajustes para o artigo compor o livro. Pareceu-nos igualmente proveitoso realizar um seminário para que os artigos fossem compartilhados com um público maior e que pudéssemos debater as produções.

Além dos alunos, o seminário tem convidados? Será aberto ao público?

Wedekin – O seminário é uma celebração de uma colaboração entre instituições: o PPGAV da Udesc, especificamente a linha de teoria e história das artes, o Instituto Collaço Paulo, o Museu da Escola Catarinense e a Associação Brasileira de Críticos de Arte. É um marco numa colaboração que pretende considerar a Coleção Collaço Paulo como objeto de pesquisa e reflexões no campo da teoria e história da arte. O público pode esperar análises muito bem fundamentadas das obras da referida coleção, e que certamente vão contribuir para a história da arte de acervos catarinenses. Além dos estudantes que estavam regularmente matriculados na disciplina, também foram convidadas pesquisadoras vinculadas ao grupo de pesquisa História da Arte: Imagem-Acontecimento e as palestras de dois pesquisadores convidados para pensar aspectos deste acervo: professor doutor Paulo Gomes, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), especialista na obra de Pedro Weingärtner e diretor da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo,  do Instituto de Artes da UFRGS em Porto Alegre (RS) e o professor doutor Carlos Terra, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estudioso do tema da paisagem na arte brasileira. Paulo Gomes lamentavelmente, com covid-19, não consegue participar, declina o convite por razões de saúde.

Onde e quando surge o desejo de mergulhar na Coleção Collaço Paulo? Quem teve a ideia?

Wedekin – A professora doutora Sandra Makowiecky é uma grande entusiasta do Instituto Collaço Paulo e uma interlocutora frequente com os fundadores da coleção, Marcelo Collaço Paulo e Jeanine Gondin Paulo. É empolgante ter um acervo com essa qualidade e representatividade em nosso Estado. Estudá-lo é exercer a vocação da linha de teoria e história da arte, comprometida com a produção da historiografia da arte de Santa Catarina, contribuindo para a produção acadêmica neste campo em âmbito regional, mas que certamente tem repercussão mais ampla. A Coleção Collaço Paulo atrai a atenção dos pesquisadores brasileiros em âmbito nacional.

Qual a importância desta aproximação/diálogo entre uma instituição de ensino e uma instituição privada do terceiro setor voltada para um projeto de arte e educação?

Wedekin – As duas instituições se complementam em seus escopos e ações. O Instituto Collaço Paulo menciona em sua descrição a vocação para a educação, e a Udesc é instituição formadora de professores de artes, de artistas, curadores, produtores culturais e de historiadores e críticos de arte. A linha de teoria e história da arte do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Udesc tem todo o interesse de estudar as obras do acervo e produzir trabalhos acadêmicos sobre as obras da Coleção Collaço Paulo, compartilhando-as em eventos, publicando artigos em periódicos científicos, organizando livros sobre obras e artistas do acervo. É um círculo virtuoso no qual o instituto traz a público a coleção, e professoras e estudantes do PPGAV debruçam-se sobre o acervo em seus estudos. Estabelece-se também um movimento que, ao mesmo tempo que reforça aspectos regionais (artistas catarinenses estudados por historiadoras da arte de Santa Catarina, alterando a hegemonia da produção somente na região Sudeste do Brasil), projeta o Estado como foco pela presença de acervo pouco estudado, mas com relevância nacional.

Como avalia a cena de artes visuais de Florianópolis. O que destaca, o que falta, o que deveria ser melhorado?

Wedekin – Há tempos tenho observado como a cena das artes visuais em Florianópolis está muito efervescente. Há consistente produção artística, agitada por exposições em instituições públicas, privadas, fundações. O edital Elisabeth Anderle cria condições financeiras para projetos diversos no campo de todas as linguagens artísticas no Estado. Eu não consigo prestigiar todas as aberturas de mostras realizadas na cidade. Há um circuito que se retroalimenta e tais eventos são frequentados por um círculo de pessoas – artistas, estudantes, professores. Seria excelente a ampliação deste círculo. Mas me parece que a cena está cada vez mais qualificada e ativa.

Como é, em Florianópolis, viver o exercício acadêmico que pede leitura de imagens o tempo todo quando as imagens praticamente inexistem no contato presencial, aqui pensando de que hoje o Museu de Arte de Santa Catarina (Masc), o mais importante do Estado, está fechado. De que modo o fechamento do Masc impacta a vida acadêmica e a cidade?

Wedekin – O Masc é o museu público com o acervo mais representativo da arte de Santa Catarina. É lamentável que esteja fechado. É lamentável que sua edificação sofra com problemas estruturais que coloquem o acervo em risco. Outro fator muito problemático é o museu não ter uma política sistemática de aquisição de obras. Infelizmente tudo isso espelha a desvalorização das instituições artísticas públicas no estado de Santa Catarina.

Como avalia a presença do Instituto Collaço Paulo no cenário das artes visuais em Santa Catarina. O que é possível aprender ali, além das exposições e da leitura de imagens?

Wedekin – A criação do instituto, em sua vocação educativa e com a possibilidade de exibição de obras da Coleção Collaço Paulo muda muito o cenário da pesquisa sobre arte em Santa Catarina. Nosso Estado não contava com acervos com obras de relevância nacional do porte no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro (RJ) ou da Pinacoteca de Arte de São Paulo, em São Paulo (SP) para citar dois exemplos. O estudante de história da arte que desejasse estudar artistas brasileiros do século 19 precisaria se deslocar e ter acesso a estes museus. A Coleção Collaço Paulo abre um horizonte de estudos para obras de relevância nacional para pesquisadores locais. Sempre incentivamos que os estudantes estudem obras com as quais possam ter contato direto, e é este contato direto que se abre com a fundação do instituto. Além disso, a coleção também é notável em sua representatividade regional, como podemos atestar nas duas últimas exposições, dedicadas a Martinho de Haro (1907-1985) e Elke Hering (1940-1994). É a garantia de salvaguardar a história da arte de Santa Catarina. Pode-se compreender as grandes tendências da arte brasileira no século 19, pode-se conhecer a produção de artistas fundamentais para a arte em Santa Catarina. É uma fonte fascinante de estudos e na linha de teoria e história da arte temos incentivado novos pós-graduandos a se debruçarem sobre a coleção. O seminário “Tudo se Deseja Ver: Mergulhos na Coleção Collaço Paulo” é a primeira iniciativa oficial e pública dessa aproximação.

Para um leitor leigo, no que consiste a leitura de imagens? Qual é a grande responsabilidade de quem assume essa tarefa? O que seria imperdoável ocorrer numa leitura de imagens?

Wedekin – Quando falamos em leitura de imagens nos remetemos a algumas referências que incluem desde a leitura puramente visual, de caráter formal e geralmente baseada na psicologia da percepção visual – e aqui nos referimos a Rudolf Arnheim (1904-2007), Fayga Ostrower (1920-2001), mas que pode também avançar para abordagens mais interpretativas, considerando o contexto da produção da obra, aspectos relativos ao estilo da época ou do artista e, igualmente, articulando tendências da teoria da arte (sociológica, marxista, feminista, ecológica,…) e mesmo outras áreas do conhecimento (antropologia, filosofia, sociologia…). Então, ao promover uma leitura de imagens, o autor precisa deixar claro quais conceitos e de que perspectiva teórica está partindo. É uma grande responsabilidade a leitura das imagens pois vivemos num mundo onde somos constantemente bombardeadas de imagens, que deslizam rapidamente nas telas dos nossos celulares, mas, cada vez mais não reagimos a elas de forma a contemplá-las. Os métodos de leitura da imagem – por exemplo, a iconologia da arte – propõem um mergulho [não por acaso essa palavra aparece no título de nosso seminário] nas imagens. Propõem que as observemos no aspecto formal, as maneiras com as quais o artista configurou os elementos da linguagem visual e deu solução a problemas de caráter compositivo, as grandes inovações de linguagem, as rupturas com as técnicas tradicionais é aí observada. Trata-se de desnaturalizar o olhar. Na linha de teoria e história do PPGAV gostamos muito dos textos do historiador da arte francês Daniel Arasse (1944-2003), especialmente quando ele fala do detalhe. Os detalhes são entradas valiosas para as obras de arte. Uma boa leitura coloca a obra em diálogo com outras do mesmo artista, suas contemporâneas, ou põe em relação com obras de outros tempos. Imperdoável na leitura das imagens é tentar esgotar a imagem, submetê-la a leituras absolutas e redutoras. Isso acontece quando muitas vezes se opta por uma tendência teórica que pretende explicar a arte somente sob um ponto de vista: sociológico, econômico, psicológico, formal. A [boa] arte é fenômeno complexo – nenhuma teoria sozinha explica a irrupção e o sentido de uma boa obra de arte. Como identificamos uma boa obra de arte? Tema espinhoso, pois hoje em dia parece que o juízo acerca da arte não pode mais ser feito. Mas, costumo dizer para meus alunos – a gente sabe quando uma obra de arte é boa, quando ela nos fala sobre seu próprio tempo, mas transcende os limites espaço-temporais. São as obras que tocam o que Aby Warburg (1866-1929) chamou de “comoções humanas”. Mas também e sobretudo aquelas obras que permitem leituras numerosas. Se uma obra pode ser sintetizada numa frase, numa palavra de ordem (como atualmente vemos muitos trabalhos de caráter engajado), ela só permite uma leitura. Mas, neste caso, não se trata de apontar o imperdoável na leitura – o problema está na qualidade da obra.

Há outros projetos a serem desenvolvidos e propostos diante da Coleção Collaço Paulo?

Wedekin – Desejamos formalizar a parceria entre PPGAV e o instituto. Também sugerimos a criação de uma comissão editorial do instituto para futuras publicações. A ideia do seminário “Tudo se Deseja Ver: Mergulhos na Coleção Collaço Paulo” é que seja o primeiro de diversos eventos que desejamos promover anualmente e que sempre resultem em publicações.

Para encerrar, qual é na era da comunicação o maior desafio de um educador, de um acadêmico voltado ao campo do conhecimento das artes visuais? Como é transitar neste universo quando tudo parece estar vinculado às redes sociais, ao audiovisual, à comunicação rarefeita?

Wedekin – De fato, é um desafio tremendo. Os estudantes, mesmo em sala de aula, estão permanentemente conectados. Byung-Chul Han, que é o filósofo contemporâneo que responde prontamente a esta nova configuração social, afirma que vivemos uma sociedade que acumula informações.  Sobre a enxurrada de imagens, Han declara que “as imagens tornadas consumíveis destroem a semântica e a poética especiais da imagem, que é mais que a mera reprodução do real. As imagens são domesticadas ao serem tornadas consumíveis. Essa domesticação das imagens leva a sua loucura (Verrüchtheit) ao desaparecimento. Assim elas são retiradas de sua verdade”[1]. Uma boa obra de arte resiste a ser consumível. Basta ver os grandes ícones como a “Gioconda”, de Leonardo da Vinci (1452-1519), ou a “Noite Estrelada”, de Van Gogh (1853-1890). Jamais perdem seu mistério, jamais se esgotam em explicações. Como professora de história da arte, procuro convidar os estudantes a se debruçarem sobre as imagens com o que Han chamou de “olhar alongado e lento”[2]. É preciso reaprender a contemplar. Os jovens hoje ouvem áudios, veem filmes e séries em velocidade dobrada. Byung-Chul Han associa os sofrimentos psíquicos contemporâneos a esta nova configuração social baseada na informação e no digital. A história da arte é como um lenitivo para essa avalanche de informações e imagens, e, logo, para a ansiedade. É como um retorno à possibilidade de contemplação.

 

[1] HAN, Byung-Chul. No enxame, perspectivas do digital. Petrópolis, Vozes, 2018. p. 45.

[2] HAN, Byung-Chul. Não coisas; reviravoltas do mundo da vida. Petrópolis, Vozes, 2022. p. 23.

 

 

Serviço

O quê: Seminário “Tudo se Deseja Ver – Mergulhos na Coleção Collaço Paulo”

Quando: Dia 9, 14h às 19h50 e dia 10.11., 9h às 12h20; 14h às 18h20

Onde: Museu da Escola Catarinense (Mesc), rua Saldanha Marinho, nº 196, Centro, Florianópolis (SC)

Quanto: gratuito, mediante inscrição na ficha: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSekaVZ7C4bEEg_Z0BSNQ7dPlli8IL6aN4hawTFRMD1-0GMaSA/viewform?usp=sf_link

 

*Entrevista publicada em 08/11/2023, realizada por Néri Pedroso, jornalista, responsável pela produção de conteúdo e comunicação do Instituto Collaço Paulo.

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