Joana Amarante, coordenadora do Núcleo Educativo do Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Educação, lembra um pouco as fadinhas, aqueles seres imaginários que seriam espíritos de transformação. Pequenina, delicada, de voz suave, ela transita quase invisível nos ambientes, mas o seu radar sempre em movimento se agiganta pela curiosidade e vontade de transformar o mundo. Os olhos, sempre bem abertos, não deixam nada escapar do campo da observação e da escuta. Na coordenação, nos primórdios dias da instituição, junta-se a Francine Goudel e Julia Rocha para criarem o plano educativo que se desdobra em um conjunto de ações que movimentam a casa. E como! No primeiro ano, com duas exposições realizadas, os grupos agendados e as visitas espontâneas totalizam 4.184 pessoas.
Joana encara o próprio trabalho como “um lugar de criação e de diálogo com os pares e com os diferentes”, um espaço que possibilita ampliar as conexões e reflexões em torno das artes visuais. Vindas de inúmeras cidades de Santa Catarina e do Brasil, e dos agendamentos de escolas públicas, privadas e entidades do terceiro setor -, as visitas em tempo pós-pandêmico, na sua compreensão, devem ser “de acolhimento e de conexões com o mundo”.
Uma atuação orgânica, que alcança outros vínculos inesperados com o universo como o fato de que uma de suas tantas experiências no Núcleo Educativo atrai o interesse dos organizadores do 1º Encontro Nacional de Educação Museal (Emuse), na cidade de Cachoeira (BA), onde, entre 6 e 8 de julho, faz a abordagem “Ação Educativa de Obras do Século 19 com Bebês”, com base em um atendimento voltado a oito bebês, entre um e três anos, no dia 4 de novembro de 2022, na mostra “Mais Humano: Arte do Brasil de 1850-1930”.
Artista visual e pesquisadora, graduada em artes visuais e graduada em licenciatura em artes plásticas pela Universidade do Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina (Udesc), o seu processo artístico resulta em livros de artista, registro fotográfico e escrita, sempre envolvendo o cotidiano, as lembranças e os possíveis distanciamentos. Sua pesquisa poética se volta sobre questões da memória – lembrança, ficção e espaço, um movimento de aproximação e distanciamento com sua própria história. Com a conquista do Edital Elisabete Anderle 2014 – Prêmio Catarinense de Artes Visuais, Fundação Catarinense de Cultura, publica o livro “Registros: Ficções Polaroides”, lançado na exposição com o mesmo título na Fundação Cultural Badesc em Florianópolis (2016). Participa da 24ª Bienal Internacional de Curitiba – Pólo SC – Exposição “Fotografia: Seus Sistemas Híbridos e Fronteiriços” na Fundação Cultural Badesc em Florianópolis (2017). Participa das edições do Projeto Armazém desde seu primeiro ano em 2011. Em 2018 foi selecionada pelo edital Jovens Artista: Arte Contemporânea em Santa Catarina.
“Acredito num espaço de troca e de constante diálogo. Observei que não é um setor que se constrói sozinho e que se mantém separado de tudo, em sua sala esquecida, é um espaço que atravessa todas as áreas e que se apropria dessas experiências como uma forma de ampliação”, diz ela que, nesta entrevista conduzida por Néri Pedroso, abre um pouco do seu jeito de ser e pensar, com uma reflexão sobre o primeiro ciclo de trabalho. O momento, além do compartilhamento com pesquisadores na Bahia, está alinhado com o desejo da equipe por refinamento e consolidação de metas idealizados no estatuto da instituição.
Como você se sente sob o ponto de vista profissional, como se define? Consegue ser muitas em uma só? Artista, arte educadora?
Joana Amarante – É difícil definir quando sempre caminhei por atuações e setores diversos, como mediações de arte educação, assistente de agenda cultural, montagem e desmontagem de exposição, assistente de curadoria, assistente de acervo/catalogação, ministrante de oficinas de encadernação manual e uma rápida passagem como professora de balé clássico. Além disso, gosto de brincar com a fotografia como um registro ou, como algumas vezes falo, “diários fotográficos escritos de memórias inventadas”, mas não me coloco, também, como uma artista visual. Me definir é um problema, pois gosto da ideia de ocupar os espaços como uma curiosa com os resultados que essas ações possam gerar ao público e, claro, a mim. De certa forma, as trocas e diálogos, apesar de ser uma pessoa tímida, sempre me interessaram e desafiaram, estando sempre presentes em minhas atuações mais significativas.
Como define a sua experiência no Instituto Collaço Paulo? Quais são os maiores desafios nesta atuação?
Amarante: Defino justamente com a palavra usada na pergunta: uma experiência. Encaro esse espaço novo que ocupo, com uma atuação de extrema importância, dividindo com pessoas profissionais que sempre admirei e um lugar de crescimento profissional e pessoal. Também encaro como um lugar de criação e de diálogo com os pares e com os diferentes, sem sombra de dúvida, pois é aí que se ampliam as conexões e reflexões. De certa forma, o desafio maior é fortalecer e ampliar cada vez mais o vínculo que vem sendo construído em Florianópolis, no Estado e, em especial, na comunidade de Coqueiros, onde o instituto está instalado.
De que modo poderia situar o primeiro ano de trabalho?
Amarante: O primeiro ano, no qual coloco minha atuação, foi de descoberta, tanto na possibilidade de estabelecer conexões com professores, estudantes e colegas de área distintas. A primeira exposição “Mais Humano: Arte no Brasil de 1850-1930” recebeu mais de 700 pessoas do público escolar, com o qual a equipe do educativo, composta por mim e pela estagiária Ana Martins, buscou em suas ações uma aproximação com o contemporâneo, entender como atuar num período pós-pandemia em que as relações humanas ficaram pautadas no virtual, como fazer dessas visitas um lugar de acolhimento e de conexões com o mundo. Então, é animador ouvir de um adolescente que não gosta ou acha chato estar em um espaço expositivo: “Nossa, que legal, quero conhecer mais”, ou “vou voltar a desenhar” ou “vou voltar aqui”. Quando a experiência é próxima da realidade da pessoa é o que a torna significativa e é por esse caminho que quero estar.
Entre 6 e 8 de julho, você participa do 1º Encontro Nacional de Educação Museal (Emuse), na cidade de Cachoeira (BA), onde representa o instituto com a abordagem “Ação Educativa de Obras do Século 19 com Bebês”, com base em uma experiência ocorrida na mostra “Mais Humano”. O que determinou a sua proposta para o evento?
Amarante – Quando recebi esse agendamento, a primeira coisa que fiz antes de aceitar, foi buscar material sobre bebês dentro de espaços de arte (museus, galerias, etc.). Naquele momento e tempo disponível, encontrei pouquíssimos relatos. Depois disso, com mais calma, observei ações educativas desenvolvidas por alguns museus para um público bem específico, que é a experiência com a família. Diferente de meu caso, realizado com um núcleo infantil, cujo interesse partiu da professora Greicy Mery Oliveira de criar a oportunidade, esse contato com arte com grupos de crianças entre um e três anos. Exatamente essa falta de bibliografia e relatos sobre o tema determinou o envio da proposta para o encontro, além de ter sido uma das mediações mais bonitas que realizei. Num tempo muito só deles, de uma experiência que partiu da escuta e da sensibilização do tato, como a escuta de alguns sons selecionados e toques em algumas plantas para só depois acessar as pinturas de século 19.
Fora dos números, o que aprendeu, o que fica como resíduo do primeiro ano na coordenação do Núcleo Educativo?
Amarante – Apesar de ter uma atuação bem recente nessa área, sinto que as trocas estabelecidas com todas as pessoas que conversei, com todos os estudantes que escutei, é o que fica. Acredito num espaço de troca e de constante diálogo. Observei que não é um setor que se constrói sozinho e que se mantém separado de tudo, em sua sala esquecida, é um espaço que atravessa todas as áreas e que se apropria dessas experiências como uma forma de ampliação.
Qual é o papel de um Núcleo Educativo? É preciso estabelecer um diferencial nas atuações entre as instituições da cidade ou não? O que é estruturante?
Basicamente o papel do Núcleo Educativo em qualquer instituição é, e deveria ser, o da posição de base, aquela que sustenta os outros setores e se fortalece junto. Por esse setor se estabelecem todo os contatos, dos funcionários que trabalham no local e aos mais variados públicos. É por essa base que as aproximações com a arte acontecem, onde se estabelecem as trocas e as reflexões. Penso que não é pelo caminho de ser ou criar algo diferente das outras instituições. Acredito mais na potência da soma dos setores, das trocas sobre o que cada um faz e nesse momento, talvez, pensar no diferente que impulsione todo o resto. Acredito sempre na soma.
Quais são os teóricos que aprecia neste campo de saber?
Gosto daqueles que pegam na sua mão e caminham do seu lado, um pouco à frente, porque também é necessário caminhar sozinho. Venho da teoria e história das artes visuais, então me deparo, muitas vezes, conversando com Blanchot (1907-2003), Certeau (1925-1986), Deleuze (1925- 1995) e Merleau-Ponty (1908-1951). Esse entendimento do outro como um ser diferente e de como acessá-lo, os abismos, os espaços e suas inúmeras formas de ocupação, enfim, gosto desses diálogos. Porém, início de 2023, pensava a minha atuação no instituto, quais as possibilidades de caminhos e me deparei com bell hooks. Assim mesmo, escrita de forma minúscula, porque ela é horizontal e acredita na educação que se aproxima do outro. (No caso, ela pegou minha mão e mostrou que era por aí mesmo, às vezes não dá certo, mas vamos ajustando, temos tempo). Outro que me chama, mas ainda não li com propriedade é Dewey, de onde tirei a ideia do próprio nome de “ateliê de imersão”, ser algo que vai além de técnicas fechadas, mas de uma experiência ampla e acredito que estamos caminhando por aí.
Você fez uma experiência no Educativo do Museu Victor Meirelles? Citaria alguma outra importante em SC?
No Museu Victor Meirelles não atuei diretamente no setor educativo. Em 2008, quando entrei como estagiária, meu foco era restauração, que engraçado, nem cheguei perto da sala de acervo. Fiquei focada na Agenda Cultural, na parte técnica de montagem e desmontagem de exposição, confecção de material visual. Porém, dessa experiência de três anos no museu, sempre lembro que, em janeiro e fevereiro, cobria as férias de algumas pessoas. Verão, calor, ali ar-condicionado, vazio, o que decidi fazer? Convidar as pessoas a entrarem, principalmente as que sempre passavam e olhavam lá para dentro, e que não se sentiam convidadas ou partes desse espaço, era para elas que fazia o convite. Eram as melhores conversas possíveis.
O plano educativo do Instituto Collaço Paulo foi gestado por você, Francine Goudel e Júlia Rocha. Como se deu esse processo?
Estava afastada de minha área de atuação, por uma escolha. Além disso, com as experiências, entendi que minha forma de trabalhar, incrivelmente, é sempre com base no diálogo. Me isolo quando preciso daquele tempo, mas preciso muito mais da troca, do falar besteira para acionar outros caminhos. Pelo afastamento, esse distanciamento da área cultural, a reaproximação com Julia e Francine foi muito significativa e em momento apropriado. Trocamos ideias sobre formas de atuação em diversos espaços, além disso fui conversar com outros arte educadores de Florianópolis, ver o que estavam fazendo, as ideias e as dificuldades. O plano se deu como um norte no qual a educação atravessa todos os setores, assim como planejar e montar protocolos sobre as visitas mediadas ou os percursos, as atividades práticas oferecidas, estabelecer alguns programas públicos como o Instituto Conversa, Entrevista e Homenagem, assim como os programas com famílias e um convite para a comunidade participar de uma ação educativa, como os Sábados com Arte. Foi um momento de estabelecer prioridades, como a importância dos encontros de formação com os professores e educadores.
Quais os principais atributos que uma arte educadora deve ter?
Amarante – O da escuta. Como eu atuo, esse é o atributo que cultivo cada dia, o da escuta ativa. O que o outro me traz e que faz com que eu me aproxime dele e ele de mim. A educação se passa por essa escuta ativa, principalmente no tempo estipulado de uma 1h30 para trabalhar com um grupo escolar que nunca vimos e precisamos estabelecer uma conexão sincera, de criação e diálogos, de um espaço seguro e de trocas afetivas.
O que uma arte educadora não pode cometer?
Amarante – Com certeza o de não escutar. O de seguir um percurso fechado, rígido, sem trocas.
Atendimentos entre 2022 e 2023
EXPOSIÇÃO: “Mais Humano”
Terceiro setor (Ongs)
Associação de Amigos Solidários (Asas) e Centro de Saúde Coloninha – Grupo Pés na Estrada
Núcleo de Educação Infantil Municipal (Neim)
Maria Nair da Silva, Barreira do Janga, Joel Rogério Freitas e Celso Pamplona
Escola Básica Municipal (EBM)
Brigadeiro Eduardo Gomes, Albertina Madalena Dias, Alfredo Rohr e Almirante Carvalhal
Escola Estadual Básica (EEB)
Dayse Werner Salles e Rosinha Campos
Escola particular
Colégio Dom Jaime Câmara, de São José/SC, e Escola dos Sonhos.
Outros
Bk Training, servidores e técnicos da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc) mulheres dos vice-presidentes regionais, curso de história da arte com prof. Otto Francisco de Souza/Helena Fretta Galeria de Arte, Escola de Idiomas Euro, equipe Dígitro, Associação Amigos Parque da Luz, cursos de artes visuais, fisioterapia e pedagogia da Udesc, Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) e Ensino de Jovens e Adultos (EJA) do Senai
EXPOSIÇÃO: “Indivisível Substância”
Terceiro setor (Ongs)
Associação de Amigos Solidários (Asas), Udesc + Associação de Mulheres do Monte Cristo (Ammo), Instituto Vilson Groh – Centro Cultural Escrava Anastácia e projeto Pode Crer
Núcleo de Educação Infantil Municipal (Neim)
José Rodrigues Willamil, Futuro Orlandina Cordeiro, Futuro Morro do Horácio, Otília Cruz e Doralice Maria Dias
Escola de Educação Básica Municipal (EEBM)
Jurema Hugen Palma Cívico Militar de São Joaquim/SC, Tapera – Escola do Futuro; José Jacinto Cardoso, Antônio Apóstolo Paschoal, Osvaldo Machado, Maria Conceição Nunes e Batista Pereira
Escola de Ensino Fundamental (EEF)
Prof. Marcilia de Oliveira, de São José/SC
Escola Estadual Básica (EEB)
Intendente José Fernandes e Dayse Werner Salles
Centro de Educação Infantil (CEI)
Lício Mauro da Silveira, de São José/SC
Ensino superior
Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), Udesc – cursos de pedagogia e artes visuais; Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – cursos de design e museologia.
Escola particular
Mapple Bear Floripa (Ilha), Escola Nosso Mundo e Panorama Escola de Artes
Outros
Academia Catarinense do Livro, curso de história da arte com prof. Otto Francisco de Souza/Helena Fretta Galeria de Arte, Centro de Estudos Psicodinâmicos – Grupo de Estudos Psicanalíticos de SC, Serviço Social da Indústria e Comércio (Sesi) Gerência de Responsabilidade Social (Gears) e Museu de Arte de Santa Catarina (Masc)
*Entrevista publicada em 06/07/2023, realizada por Néri Pedroso, jornalista, responsável pela produção de conteúdo e comunicação do Instituto Collaço Paulo.