Sandra Makowiecky, professora de estética e história da arte do Centro de Artes (Ceart) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, na linha de teoria e história da arte, preside atualmente a Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA), a primeira representação catarinense na mais antiga associação brasileira de profissionais da área das artes visuais criada em 1949. Não é pouco, tendo em vista que o cargo quase sempre foi ocupado por homens, cuja atuação se dava no eixo Rio-São Paulo. Integra também a Associação Internacional de Críticos de Arte (Aica), o Comitê Brasileiro de História da Arte, a Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas e o Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Autora de “A Representação da Cidade de Florianópolis na Visão dos Artistas Plásticos”, obra de fôlego que é o resultado da tese de doutorado, e de muitos outros livros e inúmeros artigos, tem um currículo extenso. Incorpora a graduação, o mestrado, as especializações e o doutorado para potencializar múltiplas atuações como professora, pesquisadora, coordenadora do Museu da Escola Catarinense (Mesc), entre 2012 a 2021; e pró-reitora de Ensino de Graduação da Udesc, entre 1994 a 1998, 2004 a 2008, de 2008 a 2012, e 2022 (seis meses) em quatro gestões diferentes. Presidente, vice-presidente disso e daquilo, cheia de prêmios e condecorações, conselheira de entidades, soma conhecimento, atributos e uma larga experiência que associa tino observador, liderança, intenso trabalho e uma educada sinceridade. Sim, senhora Makowiecky é aquela que, corajosa, diz o que uma maioria teme afirmar. Ela inaugura o Instituto Entrevista, um dos programas do Plano Educativo do Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Educação, onde integra o conselho fiscal do que considera um projeto “bastante ousado e inovador no cenário brasileiro”. Como membro, pensa que o seu papel é, além de vistoriar as atividades, auxiliar sobretudo nas propostas para atividades acadêmicas, para ampliar o alcance, as pesquisas sobre o acervo e a “compreensão de que a decodificação minuciosa de imagens e objetos talvez seja a maior contribuição a ser difundida da história da arte para outras áreas de conhecimento”. Ao pensar sobre as inflexões políticas e os temas descoloniais, sem refutar as pertinências do momento, pontua que embora “hoje certas imagens possam ser válidas como protesto, é muito raro que também o sejam como arte”. Em respostas sinceras, analisa a arte em amplo espectro, fala sobre os planos na presidência da ABCA, o papel e os desafios da crítica de arte, a própria trajetória e singularidade pessoal.


Criada em 1949, a ABCA pela primeira vez tem uma representação de Santa Catarina na presidência. Qual o papel da entidade e qual será a marca de sua gestão?

Sandra Makowiecky – A ABCA é a mais antiga associação brasileira de profissionais da área das artes visuais. Criada em 1949, participaram do ato de fundação os críticos Sérgio Milliet (1898-1966), seu primeiro presidente, Mário Barata (1921-2007), Antônio Bento (1902-1988) e Mário Pedrosa (1900-1981), entre outros importantes intelectuais atuantes na crítica de arte. A ABCA tem como meta promover a aproximação e o intercâmbio entre os profissionais que atuam na área da crítica e incentivar a pesquisa e a reflexão no domínio das disciplinas significativas para o campo das artes visuais. A sua missão mais importante é consolidar sua vocação para a produção de conhecimento, tal como pressupõe a dimensão ética do trabalho crítico, projeto que vem sendo defendido desde sua criação. Consideramos a arte como uma referência para compreender a história e a humanidade, e, dessa forma, compreender a história da premiação, suas motivações e trabalhos realizados, que também nos dirão muito dessa trajetória já percorrida. A ABCA sempre teve na presidência, representantes exponenciais da crítica de arte do Rio de Janeiro e São Paulo. De 2016 a 2021, foi exercida pelo Rio Grande do Sul. E agora, de 2022 a 2024, está em Santa Catarina. Trabalho voluntário, complexo, conto com uma equipe unida com representantes de todas as regiões do Brasil. Na pandemia, muitas atividades da associação se desarticularam e estamos organizando, desde cadastros, atualização de informações, regularização contábil, entre outras ações. Como marca da gestão, não irei escapar dessa reorganização, mas estamos agindo muito na linha de assumir a era digital, criamos um aplicativo para os associados, iremos manter as jornadas anuais, publicar um livro sobre a trajetória dos prêmios da ABCA até 2019, quando foi interrompido no período de isolamento social. Contamos com um jornal excelente que será mantido e uma outra marca trata da revisão dos critérios de entrada de associados, considerando as novas possibilidades de atuação, claramente expostas na pandemia. Predomina a ideia de ampliar o quadro e valorizar, consequentemente, a atuação crítica, revendo os prêmios concedidos e alargando sua abrangência, tanto em número quanto na maior inserção de diversas áreas do País. Além da diretoria, a ABCA conta com comissões de trabalhos dos associados colaboradores em atividades distintas, que seguem contribuindo com o seu bom funcionamento.

O que define o exercício crítico e qual a importância da crítica no sistema de artes visuais?

Makowiecky – Pergunta difícil, pois o exercício crítico pode ser definido de diversas formas, bem como a importância da crítica. Nas redes sociais da ABCA, pedimos para os associados responderem à pergunta: Fazer crítica de arte é…? E as respostas são várias. Vamos citar algumas, para exemplificar: “A vã tentativa de traduzir em palavras o que apenas o olho entende”, de José Roberto Teixeira Leite; “Tentar expressar em palavras, o que significa transformar algo que não havia, em coisa que passa a existir, através do pensamento do artista”, de Sandra Makowiecky; “Refletir e lançar um olhar renovado sobre os objetos artísticos do presente ou do passado, contribuindo para a compreensão da dinâmica da estética ou da ordem do sensível ao longo dos tempos, e como essas mudanças repercutem nos processos de produção e de recepção da arte, bem como nos modos de representar, interrogar, compreender e atribuir novo sentido à vida”, de Almerinda Lopes. Entendo que um dos papéis da arte é ampliar a consciência também em termos de sensibilidade e a crítica atua como facilitador do acesso à obra de arte, pois sempre há uma integralidade que dela escapa, sempre resta algo a dizer, fazendo com que a acumulação tranquila daquilo que se conhece ceda seu lugar ao proliferativo infinito. A crítica tem de pronunciar um valor a respeito da obra. A estética e a crítica, portanto, têm um caráter reflexivo sobre a arte, tentando nos ajudar a compreender por que a arte busca sempre a eterna novidade do mundo.

Quantos críticos estão filiados em Santa Catarina e como avalia essas atuações? Qual a singularidade do Estado em relação a outras geografias do Brasil? É possível apontar uma singularidade?

Makowiecky – Em Santa Catarina, contávamos com apenas 13 pessoas, uma delas se mudou para Goiânia, (Ana Lucia Beck), outras duas entraram recentemente. Sendo assim, hoje somos 14 associados, a saber: Alena Marmo (Joinville), Francine Goudel (Florianópolis), Juliana Crispe (Florianópolis), Luana Wedekin (Florianópolis), Luciane Garcez (Florianópolis), Nadja Lamas (Joinville), Néri Pedroso (Florianópolis e Joinville), Péricles Prade (Florianópolis), Roseli Hoffmann Schmitt (Blumenau e Alemanha), Sandra Makowiecky (Florianópolis), Sandra Ramalho e Oliveira (Florianópolis), Viviane Baschirotto (Florianópolis), Marcelo Seixas (Florianópolis) e Michele Petry (Florianópolis). Existe uma semelhança no Estado em relação a outras geografias do Brasil, nessa distribuição. Somos poucos, mas em ritmo crescente. Em termos numéricos, hoje, temos mais associados que Minas Gerais, por exemplo, o que seria um contrassenso. Para começar, repetimos o mesmo padrão, a começar pelo número de associados, em que a maioria atua na Capital, em Florianópolis, porque tem mais cursos universitários, mais equipamentos culturais e esse é um dos motivos que sempre acaba por colocar em destaque Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e mais recentemente, o Paraná.

As singularidades locais ainda são exercidas por relações de poder, com a Capital mantendo um papel, digamos assim, colonizador com relação ao chamado mosaico cultural do Estado. É possível pensar num futuro melhor, com menos fissuras, descontinuidades e competições?

Makowiecky – De fato, nesse contexto, concordo que as singularidades locais ainda são exercidas por relações de poder, com a Capital mantendo um papel, digamos assim, colonizador com relação ao chamado mosaico cultural do Estado. Mas é possível pensar num futuro melhor, com menos fissuras, descontinuidades e competições, sobretudo apostando na formação universitária em pós-graduação, quando profissionais de diversas regiões do Estado estão estudando no Ceart da Udesc e, ao retornar às suas cidades de origem, levam consigo esse estreitamento de relações e de possibilidades de atuação mais conjunta. Mas é bom termos em vista a relação entre territórios culturalmente hegemônicos e suas periferias, pois esses vínculos ganham novas configurações na contemporaneidade e há algumas décadas, historiadores da arte juntaram-se a outros pesquisadores para questionar pontos cruciais desta antiga dualidade: onde está o centro? O que tipifica as periferias? Como avaliar a circulação de valores entre elas? Até recentemente, era mais ou menos evidente que no contexto artístico brasileiro o centro estava identificado com os modelos narrativos, as propostas conceituais, as demandas econômicas e as seleções políticas oriundas do eixo formado pelas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Todavia, tal modelo cêntrico não parece resistir às inúmeras pesquisas levadas a termo em outras geografias artísticas nos últimos anos. O grupo de críticos de Santa Catarina busca, em sua atuação, compreender as táticas de enquadramento interpretativo, cujo vocabulário estético-crítico amplia-se agora para além das já reconhecidas expressões: regional, local, tardio, popular, tradicional.

Como avalia o circuito de arte de Santa Catarina? Onde está a sua maior força e suas maiores fragilidades? A que se deve a tímida visibilidade da produção artística de Santa Catarina em outros eixos?

Makowiecky – Deve-se destacar no cenário da Capital a importância das publicações especializadas (impressas ou digitais) dos críticos e historiadores da região. Nos últimos anos muitas pesquisas referenciando a produção local e catarinense foram publicadas, organizadas fora e dentro do âmbito acadêmico. Destaca-se a atuação da Udesc, sobretudo pelo livros e catálogos de exposições. As investigações contribuem para a formação de um arsenal imagético e bibliográfico capaz de ampliar o repertório visual e crítico, une o passado com o presente, evita um mero estudo biográfico ou cronológico, busca reconhecer as principais questões plásticas (poéticas e faturas) e afinidades temáticas, condições de trabalho, expectativas e sociabilidades artísticas que emergem no circuito de Santa Catarina. Algo que precisamos admitir sem medo é o que escreve Xavier Greffe (2013), autor do livro “Arte e Mercado” (ed. Iluminuras): “Como toda atividade humana, a artística precisa de recursos, e a maneira como estes são obtidos influencia tanto o modo de expressão dos artistas quanto suas carreiras”. Cultura e arte precisam de recursos. Existe um certo receio em falar em mercado de arte e isso consiste em minha visão, em uma grande fragilidade, conforme dados da conclusão tese de Francine Goudel. Ela também menciona: “Todavia, esse tema é muito abrangente para podermos explicar em poucas palavras.

Ao lado de Dioceli Palma e Ylmar Corrêa Neto, você está no conselho fiscal do Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Educação. Qual é o papel de um conselho diante de uma coleção de arte deste porte?

Makowiecky – O Instituto Collaço Paulo nasce com uma proposta de colocar ao alcance do público, uma coleção de arte com a ambição de auxiliar a transformar realidades socioeducativas, em que se compromete com a tarefa de conservação e difusão das obras que se conectam à história da arte brasileira e da memória de Santa Catarina. Isso é muito, em projeto bastante ousado e inovador no cenário brasileiro. Como membro do conselho fiscal do instituto, auxiliamos na viabilização documental e na efetivação da proposta. Nosso papel, no meu caso, é, além de vistoriar as ações, auxiliar sobretudo nas propostas para atividades acadêmicas, para que se realizem pesquisas sobre o acervo e se ampliem as possibilidades do seu alcance. Deseja-se ampliar a compreensão de que a decodificação minuciosa de imagens e objetos talvez seja a maior contribuição a ser difundida da história da arte para outras áreas de conhecimento, pois se trata de algo do qual nos ocupamos coletivamente há pelo menos dois séculos. Os historiadores da arte foram os primeiros a destacar o poder da arte, o poder das imagens. Compreendemos que a história se faz por imagens, mas que elas estão, de fato, carregadas de história. Todavia, todo projeto cultural leva tempo para se solidificar e após a inauguração, devemos, como conselheiros colaborar ainda mais.

Como situa a criação do Instituto Collaço Paulo no circuito de artes visuais do Estado e, em particular, na Capital, tendo em vista o seu ineditismo?

Makowiecky – O Instituto Collaço Paulo possui um acervo que nem os melhores museus públicos dispõem. Isso por si só já explica a importância e abrangência da iniciativa que, para além do ineditismo, se reveste de oportunidade única. Para nós, críticos e historiadores da arte, o melhor pensamento visual requer aprofundamento no repertório. Para isso, o contato com a obra é fundamental. O instituto auxiliará no desejo de transgredir os limites convencionais da disciplina, sem “medo dos guardas de fronteira”, investigar “semelhanças desconcertantes” entre fenômenos separados no tempo e no espaço. Um local com esse acervo ressalta o fato de que a essência do legado antigo é a contínua problematização da própria noção de legado. Inúmeras são as formas pelas quais uma obra, texto ou pintura, objetos, subsistem em outra, fenômeno que se identifica com a própria natureza reticular da criação humana. Contra qualificativos como “novidade” ou “originalidade”, reivindica a seleção feliz de expressões de que os predecessores mais antigos nos deixaram o modelo.

Em que medida continuamos dentro de uma referência acadêmica para definir o que seja a arte contemporânea?

Makowiecky – O passado é algo relativo. Entendo que a chamada história não contemporânea torna-se contemporânea à medida que só um interesse no presente pode nos mover a investigar o fato passado, tornando esse interesse passado num interesse presente. Entendo que todo presente é infinito e encerra todo o passado que se manteve vivo. Como manter vivo o passado em cada momento, e descobri-lo com os olhos de cada época? Tudo que me interessa é contemporâneo a mim. Como potencializar uma imagem/um objeto/uma ideia? É preciso devolver potências à imagem, o que significa dar-lhe uma história e uma crítica. O mesmo se diz para toda e qualquer atividade humana. Assim, tenho dificuldade em definir o que seja arte contemporânea, pois estamos sempre enfrentando um problema bem ambicioso: “A função da criação figurativa na vida da civilização”. Por que criamos imagens? O que esperamos delas? E de que nos têm servido ao longo da história? Eu aceito que a imagem é centrífuga, vertiginosa e que não há como prescindir de uma aguda noção de forma e de experiência se quisermos manter a pertinência das artes. As formas do passado, conforme nossa receptividade, podem ser novamente equacionadas como problema. Recusando o consecutivo e o linear, fazem com que o passado e o presente modifiquem a noção de atualidade. Esse olhar do historiador da arte ajuda a evitar que, nesse mundo cada vez mais dominado pelos espaços de representação, as obras de arte não caiam na banalização, na leitura rápida, na apreciação efêmera. No que podemos nos diferenciar? Na decodificação minuciosa, no entender e entender-se com as imagens. Outro “ponto cego” do conhecimento arte-histórico atual reside na falta de qualquer capacidade de discutir – muito menos, definir – o que constituiria a “qualidade” ou a “excelência” em se tratando de obras de arte. Quanto mais repertório, contato com obras e exposições, maior possibilidade de ampliar a experiência estética.

Como sensibilizar mentes sobre a importância de um acervo artístico em um momento em que tudo passa por discursos descoloniais?

Makowiecky – Gosto muito de citar uma frase de Tadeu Chiarelli que diz que a produção artística é boa quando, acima e antes de tudo, diz respeito a si mesma. O resto é literatura – questão fundamental a não se esquecer nesses tempos em que a retórica impera sobre a forma. Na sociedade atual, percebe-se uma constante e até avassaladora recusa ao passado, uma ânsia pelo novo, o desejo sem limites pelo contemporâneo, entendido como o aqui e agora. Eu defendo a necessidade da compreensão de um sentido de herança e transmissão. Como lidar com essa questão, entendendo que a obra de arte é uma obra de arte e não um objeto histórico qualquer, em um país vocacionalmente fadado ao moderno e com tantas resistências ao passado, que parece aspirar a um presente eterno e sem memória? O passado dá poder ao presente. Não resta dúvida da importância do Instituto Collaço Paulo nesse contexto. Na pandemia, compreendemos que tudo o que existia antes ficou distante e o futuro parece tão distante quanto. Nas obras de arte de qualquer tempo, reina uma liberdade ilimitada que expressa ao mesmo tempo a história quando era apenas mito e fantasia e as razões profundas que levaram os seres humanos a criarem uma arte que enriquece a vida e a eleva à altura dos nossos sonhos. Creio que a arte pode exercer outro papel para além de insistir na arte da contestação. Conquanto hoje certas imagens possam ser válidas como protesto, é muito raro que também o sejam como arte. A obra teria que trazer, com sua forma, uma contribuição que ampliasse nossa consciência também em termos de sensibilidade. Deseja-se lembrar questões particulares às práxis crítica e artística, questões centrais que gostaríamos de inserir no debate, como uma certeza em meio às incertezas. O mundo da arte, com seus discursos ideológicos e politicamente engajados é muito óbvio, nada deixa para a imaginação. Para isso nos bastam os jornais, a televisão e a massa opiniática sem leitura. Na contramão das novidades rasteiras do mundo, que chegam com a mesma velocidade que vão e vem, as obras de arte de qualquer tempo se diferenciam de muitos dos empobrecidos ativismos da agenda contemporânea. O papel da arte é ampliar nossa consciência também em termos de sensibilidade. Para George Steiner (1929-2020), professor e crítico francês, o esvaziamento de uma formação em artes que acredita poder prescindir do passado, de parte fundamental de seu saber específico que é a história da arte, resta a “amnésia planificada”. Minha posição é simples: arte se aprende com arte, que é o mesmo que dizer que arte se aprende com história da arte. Ou…tudo se baseia antes nos que nos precederam. Daí a importância da história da arte. Compreendo completamente os discursos descoloniais e os aceito e defendo. Todavia, defendo também que devemos somar. Não há porque desqualificar algo para colocar outra coisa no lugar. Importa que somem, que os estudos cresçam, pois podemos reinventar a tradição, atualizando o enfoque de acordo com os problemas de nossa época e a modernizando de acordo com a urgência dos problemas atuais, sem deixar se ser obra de arte ela mesma, ontológica. Aceito várias posições, menos as que pedem “limpeza necessária” ao falarem de diferenças teóricas, quase exortando a queimar os livros clássicos, advogando uma nova ordem. Por que não uma maior convivência? Uma ampliação do espectro? Precisa destruir um para impor o outro? Quanto ódio em nome do amor. Eu clamo por respeito à liberdade de cátedra, em que cada qual estuda o que gosta e quer e segue sendo feliz. Patrulha, não! Ao acompanhar certos frenesis da cultura contemporânea, sinto que estamos de volta à Sexta Corte do Sena: a obsessão por sentidos unívocos, o horror à ambiguidade e a exigência de adesão a postulados políticos monolíticos é uma ameaça tão grande à imaginação humana quanto a chama das fogueiras.

O que é o mais importante em sua vida? Quais são as suas prioridades?

Makowiecky – O mais importante são meus filhos e por consequência, suas famílias, ou seja, noras e netos/as. Eles são prioridade em tudo e isso não é retórica. Então, vou redirecionar para as artes, senão, terei dificuldade em responder. O que desperta meu interesse e meu desejo? Estou realmente interessada em deixar de lado as distinções muitas vezes arbitrárias entre arte e entretenimento e fazer um elogio da fruição estética como aquilo que sempre foi: uma maneira de explorar os limites da imaginação humana e, por conseguinte, preservar a sanidade em um mundo tormentoso. Entender a arte não como uma fuga do mundo, mas um caminho de volta a ele, em regresso a uma parte essencial do universo humano ameaçados por ofuscamento de sentimentos não desejáveis. Por trás dessa reeducação do olhar existe um propósito que insiste na forma aberta, que deseja olhar para uma imagem com o que ela tem a nos dizer, que não se reduzem a nenhuma opinião prévia e que são poderosos recursos da história da arte contra a história única, revelando profunda empatia pelo outro, no sentido forte da palavra. Arte deveria ensinar a lidar com as diferenças, com respeito mútuo, mas as vezes me parece que isso está apenas no plano da utopia.

Você é workaholic? Como consegue fazer tanta coisa?

Makowiecky – Sem sombra de dúvidas, sou workaholic. Para dar conta de tudo, só consigo abrindo mão de muitas outras coisas. Difícil ter horas de lazer, momentos descompromissados, ter um fim de semana sem culpa por não estar trabalhando ou adiantando tarefas. Não considero que seja bom ser assim, mas a cada trabalho concluído, a sensação é muito boa. Eu gosto de realizar, da concretude da ação. Todavia, comecei a desacelerar. Está na hora de rever tudo isso para desfrutar mais o que o mundo oferece.

Como pesquisadora – o que ainda não fez, o que falta fazer?

Makowiecky – Essa é outra pergunta difícil. Eu tenho uma lista de coisas que ainda quero fazer, desde pesquisas sobre um artista especifico, até textos sobre epistemologia e metodologia em história da arte. Uma vida só não basta. Sempre digo que eu trabalho no melhor dos universos – o da história da arte, que nunca cessa. Mas um projeto ambicioso que estou desenvolvendo com Luana Wedekin diz respeito ao “Atlas Mnemosyne”, do historiador de arte alemão, Aby Warburg (1866-1929), e a tentativa de compreender as relações entre as imagens das pranchas, de uma forma que ainda não abordada no Brasil. Outro projeto é finalizar a antologia sobre obras tridimensionais em Santa Catarina e seus artistas, a exemplo da antologia já publicada sobre obras biplanares.

Com tanto feito no campo das artes visuais, em ampla atuação – da pesquisa à gestão, como gostaria de ser reconhecida? Qual o viés biográfico que gostaria de perpetuar?

Makowiecky – Tem um fato que gosto de destacar e consta em livro publicado sobre os 30 anos de Ceart da Udesc, em texto de autoria de Sandra Ramalho.  Ela conta como me tornei a primeira docente a receber atribuição de carga horária para desenvolver pesquisas e, deste modo, foi institucionalizada no Ceart uma atividade que deve ser inerente a qualquer universidade, mas para nós, era um privilégio. Arte até então, não era considerada como objeto de pesquisa. Hoje temos cinco programas de pós-graduação. Além disso, as pesquisas que já desenvolvia, lá pelos anos 1980, eram sobre arte de Santa Catarina, então, esse é um viés biográfico que gostaria de perpetuar. Uma novidade na academia, a dedicação ao nosso patrimônio artístico. Em gestão, em quatro mandatos como Pró-Reitora de Ensino na Udesc, acredito ter firmado a ideia de que a formação em artes também auxilia na gestão, com a criatividade, que não se resume à arte, mas a encontrar soluções novas para problemas novos e antigos. Por fim, tem o Museu da Escola Catarinense (Mesc), onde acredito ter deixado um legado de realizações grande, colocando um prédio belíssimo no roteiro e calendário cultural da cidade, através da universidade. Outro legado, são os inúmeros pesquisadores e professores que formamos. Tenho orgulho de meus discípulos/as. Francine Goudel, a curadora-chefe do Instituto Collaço Paulo, é uma dessas maravilhosas discípulas.

Sobre gosto e sensibilidade: o que corre para ver? Qual ou quais as obras de arte que te impactam?

Makowiecky – Recorro a uma frase pontual de Thierry De Duve, autor do artigo “Na Cama com Madonna” (revista Concinnitas, 2004): “O que, então me incita a escrever sobre uma dada obra ou um conjunto de obras? Preciso gostar delas, eis o primeiro ponto. Ou, talvez, não. ‘Gostar’ é muito pouco. ‘Amar’ é termo melhor, apesar de um pouco oblíquo. O que quero dizer é que preciso sentir que a obra me chama. As vezes sou tentado a escrever sobre obras que odeio, mas que também me chamam […] Nunca escrevo sobre obras que me deixam indiferente, posto que o fato mesmo de escrever sobre esta ou aquela obra é em si um sinal de que tenho uma forte relação com ela. Eu escrevi em 2021 o artigo No Sofá com Huizinga: Autorretrato Crítico Assumindo a Obra de Arte como Terreno da Reflexão Estética” em que assumo, dentro dos regimes de verdade da história da arte, que concebo as obras como terrenos da reflexão estética. Partindo de questões como “o que me/nos/vos motiva?”, ambicionei tecer uma colcha de retalhos que formasse um autorretrato crítico. Ao desenvolver reflexões sobre conceitos como belo, enigma, intervalo, fruição estética, transcendente, entre outros, forneci um pano de fundo sobre minha atuação e meus valores como historiadora da arte. Tentei responder minimamente ao que penso sobre a própria atuação, para ao final dizer que são as imagens que me chamam. Assim, me chamam os detalhes das obras, a obsessão do olhar. Não focalizo toda minha energia criativa ou investigativa num mesmo tipo de objeto ou preocupação, pois não exploro o mesmo campo estético anos a fio, eu mudo regularmente, mesmo que se percebam as constâncias. Acharia um tédio ficar ligada a um objeto, não obstante, sinto certa inveja de quem consegue e é reconhecido por ser especialista em determinado assunto. Acho difícil que me reconheçam em uma clave específica, mas muitos sabem que encaro qualquer banca em defesas de mestrado e doutorado. Não me interessa o tema por si, mas por uma metodologia e uma epistemologia e que seja no âmbito da história da arte. Pesquiso muito a arte produzida em Santa Catarina, são pesquisas voltadas à análise de tal produção, antes “periférica”. Eu gosto de tanta coisa! Queria gostar menos, isso economizaria estantes na biblioteca pessoal e contas no cartão de crédito com livrarias, todavia, reforço, minhas leituras situam-se dentro do campo da arte. Me interessa o transcendente, os enigmas, o belo. Hoje existe uma resistência cada vez maior à ideia de “bom gosto”. Eu assumo o belo. Essa é uma das funções da arte: tornar visível a beleza do mundo. Roger Scruton, no livro “Beleza” (2013) defende que a beleza é um valor real e universal ancorado em nossa natureza racional, que o senso do belo desempenha papel indispensável na formação do mundo. Para o autor, que lida com o conceito de beleza em termos filosóficos, julgá-la é algo que diz respeito ao gosto, e o gosto talvez não tenha algum fundamento racional. No prefácio do livro, aponta-nos o caminho, afirmando que a beleza pode ser reconfortante, perturbadora, sagrada e profana; pode revigorar, encantar, atemorizar. Mas jamais é vista com indiferença; exige a atenção. As obras que me impactam são as que me tiram o chão, que pausam a respiração. E pode ser desde um trabalho da era pré-histórica à uma obra da última bienal de arte contemporânea.

Sob o ponto de vista da memória e do patrimônio, quem não pode ser esquecido em Santa Catarina?

Makowiecky – Nós temos grandes nomes a destacar, essa pergunta é inglória, pois deixaria muitos nomes fora da lista. De forma política, vou destacar um nome, para em nome dele, honrar os demais que seguiram suas trilhas. Eu homenageio a figura de José Boiteux (1865-1934), o maior intelectual da história estadual, se compatibilizarmos os seus feitos. Além de exercer vários cargos públicos de forma exemplar, participou da fundação da Academia Catarinense de Letras, fundou o Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, o Clube de Imprensa, o Instituto Politécnico Catarinense, a Academia de Comércio de Santa Catarina, a Faculdade de Direito, que deu origem à Universidade Federal de Santa Catarina, entre outras iniciativas pioneiras. Ficou conhecido também como “Construtor de Estátuas”. Pela academia passaram nomes extraordinários da vida pública, das artes, das letras e do movimento cultural catarinense. Assim sendo, de sua atuação, ramificaram-se vários setores da atividade criativa e cultural do Estado. Esse nome não pode ser esquecido e a história já lhe deu lugar de honra. Quero dizer que nesse sentido, vejo o Instituto Collaço Paulo com uma importância dessa natureza e acredito que a peneira do tempo nos dirá que estou certa.

*Entrevista realizada por Néri Pedroso, jornalista, responsável pela produção de conteúdo e comunicação do Instituto Collaço Paulo.

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