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Arte e espiritualidade

Gustavo Nazareno fala de “Exu”,
obra que integra mostra “Etérea”

Natural de Três Pontas (MG), o artista Gustavo Nazareno, 30 anos, vive e atua em São Paulo. Sua trajetória chama a atenção por uma rápida ascensão, a partir da participação em grandes feiras internacionais. Autor de trabalhos que transitam entre ancestralidade e fé, ele dilui as fronteiras entre discursos e campos disciplinares, estabelece cruzamentos múltiplos entre religiosidade afro-brasileira, moda e história da arte. O lápis e pincel são as ferramentas principais em favor de obras carregadas de hibridismo entre formas, tempos e instâncias discursivas.

Belas e provocadoras, as imagens sincréticas, segundo o artista, relacionam a própria fé no candomblé, levanta “questões muito delicadas pelo racismo religioso e intolerância que vivemos no país, as imagens se tornam não só pontos de fé, mas políticas”. Sem ser centrada, a pesquisa atualmente recai no atravessamento, deixou de partir de um ponto só de admiração para ser visto de modo mais crítico, “de reivindicação”, diz o artista quando comenta sobre o lugar ocupado pelo barroco em sua arte.

Inserida na arte contemporânea brasileira, a produção, bastante reflexiva, estimula perguntas e curiosidades e participa da mostra “Etérea” com “Exu” (2023). Deus da criatividade e da comunicação, a divindade do candomblé, orixá do movimento, aparece na imponente tela em preto e vermelho, toma conta do espaço expositivo no Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Educação, em Florianópolis (SC), e impacta a maioria dos visitantes.

“Sempre acompanho o destino de todas as minhas obras”, conta Nazareno em entrevista exclusiva à jornalista Néri Pedroso, admitindo surpresa com o interesse do casal colecionador do Sul do Brasil. Nesta conversa aborda a obra “Exu”, o atual momento, a carreira e suas influências.

 

“A minha pintura é a materialização da minha oração”, diz você. Do que trata exatamente a afirmação sob o ponto de vista da estética, da pintura propriamente dita, e da religiosidade? Como associa arte e espiritualidade, vivendo num país de forte sincretismo religioso?

Gustavo Nazareno – Sou extremamente religioso e tenho uma maneira muito particular de viver na minha fé, que é através da minha arte. Escrevendo fábulas e pintando meus momentos, meus anseios, sobre minhas dúvidas e oferendando meus orixás, acho que a minha pintura ou desenho são o que tenho de mais valioso para oferendar. Sobre viver no Brasil e falar de imagens sincréticas, principalmente relacionando minha fé no candomblé, levanta questões muito delicadas pelo racismo religioso e intolerância que vivemos no país, as imagens se tornam não só pontos de fé, mas políticas. A associação que faço, pessoalmente, é um ponto extremamente necessário no meu bem-estar, é na pintura e desenho que pratico minha fé…

Meu coração está entregue a Exu, diz você, que é filho de Exu. Fale um pouco sobre isso, situe como a tela se cria e chega a exposição “Bará”?

Nazareno – Comecei minha primeira série, a série ‘Bará’, com desenhos para Exu pedindo prosperidade. Ela se transformou numa série com mais de 400 desenhos. Na época, não tinha dinheiro para fazer um ebó, mas eu tinha carvão, papel e sabia desenhar muito bem… E tinha fé! E em 2021 conheci Emanoel Araújo (1940-2022), que me convidou para expor no Museu Afro Brasil Emanoel Araújo (Mabea) com a série, e resolvi começar a exposição com um retrato para Exu. Precisava ser grande, imponente, olhar diretamente nos olhos. O retrato é feito em poucas cores, mas bem saturadas e com um grande contraste, bem caloroso, grande, imponente… Como Exu. É um retrato com todos os elementos que você encontra em uma pintura minha – a vestimenta, a silhueta e as cores. É mais uma oferenda para ele.

Como vê o interesse pela obra “Exu” por parte de uma instituição localizada no Sul do Brasil? Você acompanha o destino das peças?

Nazareno – De grande surpresa! Eu fiquei extremamente empolgado quando soube que a obra estava em uma exposição de arte sacra. Acho merecido e lindo, principalmente que vi um São Francisco na frente. Sempre acompanho o destino de todas as minhas obras, hoje tenho a benção de ter uma equipe que me ajuda a ter o controle de tudo.

Sua produção artística está sempre atrelada a religiosidade ou você considera que esses aspectos abordados são o momento da pesquisa?

Nazareno – Acho que Exu sempre vai estar presente no meu trabalho, desde quando falo de fé a quando falo do meu corpo e minha sexualidade. No momento, estou trabalhando em uma série totalmente homoerótica e ainda considero que estou trabalhando com fé de certa maneira… Acho que tudo está ligado.

Qual é o grande salto? Sua primeira exposição em Londres ocorre em 2021. Qual é o saldo da internacionalização?

Nazareno – Minha carreira começou internacional com uma residência virtual, com um curador de Chicago chamado Danny Dunson e logo fui assinado pela Gallery 1957 em Londres, meu trabalho chegou no Brasil (apesar de morar aqui), meses depois quando um colecionador me conectou com uma galeria carioca, pois ele achava que eu precisava também de uma representação nacional. Eu tive vários momentos de virada de carreira, 2021 com a exposição em Londres e logo depois com meu trabalho em São Paulo.

Para 2024 está planejada a sua primeira exposição individual nos Estados Unidos, atendendo convite de Danny Dunson, diretor curatorial do The DuSable Black History Museum and Education Center de Chicago. O que pensa para a ocasião?

Nazareno –
Pesquisa, pesquisa e pesquisa!!! Vou unir muitas pesquisas para fazer uma exposição gigante.

Reunir 150 obras numa exposição não é pouco, seria indicativo de alta produção? Você trabalha intensamente, como é a rotina de criação? Diária, de modo constante ou é cíclico?
Nazareno – Minhas produções sempre são em grande escala, penso na expografia quase como em um Teatro. Precisa de drama, quantidade, diferentes momentos e núcleos e isso sempre acarreta num número grande de obras.

Domínio técnico, pintura, carvão. Quais são suas influências?
Nazareno – Irving Penn (1917-2009), Peter Doig, Jacob Lawrence (1917-2000), Reaffaello Sanzio (1483-1520), Tracey Emin, Lynette Yiadom-Boakye, Richard Avedon (1923-2004), Arnold Böcklin (1827-1901), Ferdinand Keller (1842-1922), John Martin (1789-1854)… A partir desses mestres, veio muitos anseios.

Mineiro, gostaria de saber qual o lugar que o barroco ocupa na sua arte?
Nazareno – Os meus primeiros acessos a arte foram através de arte sacra, a performance do religioso na frente de uma pintura ou escultura para acessar o espírito sempre foi algo que me interessou muito… E isso me despertou profundamente para pesquisar a renascença no começo da minha adolescência até minha fase jovem adulta. Hoje, já me despertam outras questões quando penso em arte religiosa no Brasil, principalmente pensando na construção das capelas que foram erguidas com muito sangue preto, o movimento de arte religiosa no Brasil é por grande parte afro-barroco e isso é algo que me interessa muito em pesquisa hoje em dia. Esse atravessamento deixou de partir de um ponto somente de admiração e eu consigo ver de maneira mais crítica, de reivindicação.

 

Serviço

O quê: exposição “Etérea”
Quando: Até 29.6.2024; seg. a sáb., 13h30 às 18h30
Onde: Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Educação, rua Des. Pedro Silva, 2.568, bairro Coqueiros, Florianópolis (SC)
Quanto: gratuito

 

*Entrevista publicada em 23/2/2024, realizada por Néri Pedroso, jornalista, responsável pela produção de conteúdo e comunicação do Instituto Collaço Paulo.

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