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Na trilha de Elke Hering

Autora dos livros: “Elke Hering: Crítica, Circuito e Poética” (2018), “Lindolf Bell: Crítica de Arte em Santa Catarina” (2020) e “Dalme Marie, Escultora” (2021), a pesquisadora e doutora Daiana Schvartz agrega mais uma publicação ao seu currículo: “Elke Hering: Diários de Formação” ganha pré-lançamento no dia 30 de novembro, quando também faz uma palestra no Instituto Conversa, um dos programas do Núcleo Educativo do Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Educação. Na ocasião, ela compartilha seus conhecimentos sobre a arte em Santa Catarina, em especial como investigadora da produção da artista Elke Hering (1940-1994) e da crítica de arte de Lindolf Bell (1938-1998).

A importância da publicação dos diários, segundo ela, está na revelação de como Elke Hering narra nos anos 1950 a sua própria inserção no mundo da arte. “Desta maneira, o leitor tem a oportunidade de se aproximar da artista e conhecer aspectos pessoais de sua vida e a genealogia dessa trajetória”, diz Daiana que, no doutorado em artes visuais no Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Universidade do Rio Grande do Sul (UFRGS), na linha de pesquisa em história, teoria e crítica, defende a tese intitulada “Arquivo Elke Hering: O Indício de uma Falta”.

Mestre em teoria e história da arte pelo Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), afirma na dissertação “Elke Hering: Crítica, Circuito e Poética”. Graduada em artes plásticas, na Fundação Universidade Regional de Blumenau (Furb), atua desde 2015 como professora de artes visuais no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC/campus São Carlos).

Nesta entrevista concedida com exclusividade para a jornalista Néri Pedroso, Daiana Schvartz analisa a própria trajetória, pensa a exposição “Elke Hering – Metamorfoses” e comenta o livro novo. Considera que, embora Elke tenha sido uma artista reconhecida em vida, referendada nas exposições e em jornais, catálogos e livros, depois de sua morte sofre um certo esquecimento. “Ainda que lembrada pelos seus contemporâneos, ela foi sendo gradualmente esquecida em outros espaços”, diz ela que chama a atenção para a envergadura da atual mostra em Florianópolis. “É importantíssima para reativar a presença dela (…) é um dos fatores que contribuem para perdurar seu legado”.

 

Antes de entrar propriamente no livro “Elke Hering: Diários de Formação” (Editora Humana) comente a experiência vivida na exposição “Elke Hering – Metamorfoses”? Como a pesquisadora da artista viu a exposição?

Daiana Schvartz – Visitei a mostra no dia da abertura. Foi a primeira vez que presenciei uma exposição de Elke Hering, o acervo do instituto conseguiu reunir uma gama diversificada de trabalhos que se estendem entra a década de 1950 até a de 1990. Logo na entrada, a parede gigante com a cronologia da Elke, somada as imagens foi impactante. Depois segui para o ambiente azul, sala onde estão as primeiras obras: estudos da Alemanha e a escultura de ferro “Figura nº 1”. Gosto muito desses primeiros trabalhos quando ela ainda estava em busca de formação artística. Me surpreendi na mostra ao ver os cadernos, um pequeno diário me parece e um caderno de imagens, não sabia da existência deles. Denise Mattar me passou o conteúdo do caderno de imagens que Elke elaborou, fantástico para fazer as relações com o imaginário visual. Os trabalhos dos anos 70 são os que mais fizeram Elke circular no eixo Rio – São Paulo, dialogam muito com outros artistas contemporâneos a ela. As cores vivas que remetem à Pop Art se conectam com a paisagem e objetos do seu cotidiano.  Na sala dos bronzes e cristais, a disposição deu um grande valor as peças mostrando todo o rigor na fatura escultórica.

Suas pesquisas ganham mais repercussão a partir da mostra no Instituto Collaço Paulo. A partir dos eventos (mostras e os programas Instituto Conversa e Retroprojetor: Encontros do Olhar) algo muda no seu pensamento relativo à própria pesquisa em torno de Elke?

Schvartz – O legado de Elke Hering irá perdurar a partir de um conjunto de fatores que se impulsionam interligados. Durante o período em que ela estava produzindo, sem duvida, seu nome circulava nos meios de comunicação e no circuito de artes visuais. Ela foi uma artista reconhecida em vida, referendada nas exposições e publicações (jornais, catálogos, livros, etc).  A questão é o que acontece depois de sua morte, há uma suspensão do seu nome. Ainda que lembrada pelos seus contemporâneos, ela foi sendo gradualmente esquecida em outros espaços. No entanto, a minha pesquisa foi a única a se debruçar sobre a trajetória da Elke. Só ao me debruçar sobre os arquivos é que consegui trazer à luz os caminhos percorridos por ela, e a partir deles fui fazendo conexões. Comecei pelo mestrado, depois doutorado e agora esse novo livro dos diários. Esse trabalho exigiu muito tempo e dedicação. Sobre a experiência a partir das ações do Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Educação: uma exposição dessa envergadura é importantíssima para reativar a presença dela. Como dito anteriormente, esse é um dos fatores que contribuem para perdurar seu legado. Aliado a isso, a minha pesquisa foi essencial para que Denise Mattar pudesse realizar a curadoria, no qual atuei como consultora. Os textos de Denise para cada eixo da exposição são muito bons e convidativos. Eles aproximam a artista do público. Os anos de pesquisa que resultaram nas publicações (livro, artigos e tese) estão cumprindo o seu papel, o de ser consultado e estudado, auxiliando na compreensão da trajetória de Elke. Para os próximos que querem estudar a obra dela, o desafio será de ultrapassar os limites da minha própria pesquisa, trazendo novos elementos e outras conexões.

À luz de um pensamento antipatriarcal, atualizado, portanto, como olha a trajetória de Elke sob o ponto de vista feminino. Que mulher é essa? Como o universo feminino e um possível discurso poético emancipatório se sustenta em seu projeto de vida e arte?

Schvartz – A trajetória da artista mostra alguns desafios que ela teve que enfrentar enquanto artista mulher. Numa sociedade em que o casamento era tido como o principal destino para uma mulher, ela com 17 anos, em 1957, saiu de sua cidade natal, Blumenau, para estudar em grandes centros urbanos. Os diários mostram que desde cedo queria ser artista, não foi obra das circunstâncias. Elke foi a primeira mulher de Santa Catarina a se formar numa Academia de Belas Artes, em 1958, estava em Munique na Akademie der Bildenden Kunste. Estudou escultura, gênero artístico praticado na maioria das vezes por homens. Teve como professores: Lorenz Heilmair (1913-2010) em Porto Alegre (RS), Anton Hiller (1893-1985) em Munique, na Alemanha, Mario Cravo Júnior (1923-2018) em Salvador (BA) e no retorno a Munique, Robert Jacobsen (1912-1993). Enfrentou em Munique seus colegas dizendo que as mulheres estavam tirando o lugar deles na academia. Durante os anos que mais circulou nacionalmente, início da década de 1970, nasceram seus três filhos. Ela expressava que gostaria de trabalhar mais do que pode, mas ao mesmo tempo, teve condições materiais de continuar conciliando trabalho e maternidade. Desde que se casou com Lindolf Bell (1938-1998), em 1968, um dos mais conhecidos poetas de Santa Catarina, realizaram muitas parcerias artísticas: experiências poéticas, poemas objetos, ilustração e poesia, criação da Galeria Açu-Açu, entre outras. No entanto, Bell conseguiu ter uma inserção muito maior no imaginário artístico dos catarinenses, seu nome é facilmente lembrado, o que não acontece com Elke. Eles se separaram no início da década de 1980, mesmo que na maior parte de sua produção artística eles não estiveram juntos, ainda hoje é a imagem do casal que predomina quando o nome dela é veiculado na mídia. Elke foi uma artista profissional, portanto, foram décadas dedicadas ao fazer artístico. Sobre essa questão, também acho que ainda há muito trabalho de pesquisa a ser feito. Um deles é problematizar a questão do corpo feminino e o erotismo que permeiam grande parte de suas obras, principalmente as realizadas depois da década de 1980.

Em relação ao livro “Elke Hering: Diários de Formação”, como se dá a organização das ideias preliminares, antes da entrada em um material tão privado quanto é um diário?

Schvartz – Ler o diário foi entusiástico. Escrevo na apresentação do livro que o diário é o espaço do meu “encontro” com Elke. Quando não sabia ainda como iria estruturar o livro, o primeiro movimento feito foi o de ler e transcrevê-lo. O próximo passo foi decisivo, como iria transformar o diário em um livro? Percebi que os dois cadernos escritos entre abril de 1957 e abril de 1959, além das narrativas comuns aos diários – rotina familiar, festas, paixões, amizades, etc. – conseguia acompanhar o “nascimento” dela como artista. Aparecem os seus primeiros movimentos em direção à arte, desde que começou a ser ajudante de Lorenz Heilmair nos vitrais da catedral católica em Blumenau, até sua inserção na Academia de Munique. Portanto, selecionei todas as passagens referentes a sua vida artística. Junto ao diário, o filho de Elke, Pedro Hering Bell, também concedeu o acesso a álbuns fotográficos, um deles em especial, são de fotografias contemporâneas ao diário. O livro “Elke Hering: Diários de Formação” estrutura-se da seguinte maneira: uma apresentação minha e depois segue com a escrita da jovem Elke. Separei por blocos, como se fossem capítulos, e para cada bloco há uma fotografia de entrada com legendas (a maioria delas do álbum da própria artista). Para complementar, selecionei alguns trechos para legendar, dessa maneira o leitor poderá compreender melhor o contexto.

Por que é importante publicar os diários? Qual o propósito?

Schvartz – A importância de publicá-los se dá pela característica dos diários em si, mostrar como a Elke Hering da década de 1950 narra a sua própria inserção no mundo da arte. Desta maneira, o leitor tem a oportunidade de se aproximar da artista e conhecer aspectos pessoais de sua vida e a genealogia dessa trajetória.

Como se estrutura o projeto da Editora Humana?

Schvartz – O livro está dentro da coleção Biografemas, que estimula reflexões sobre a vida de artistas e intelectuais, buscando formas experimentais de refletir sobre biografia. Até o fim deste ano, a coleção terá dez títulos, todos de alguma maneira têm relação com Santa Catarina. Para o livro “Elke Hering: Diários de Formação”, tive bastante liberdade para conceber ele num formato não tradicional da biografia.

O que vamos ver nestes diários? É possível a partir dele mudar o olhar sobre a mulher e suas obras?

Schvartz – Veremos a escrita dela acompanhada de muitas fotografias. O desencadear narrativo vai construindo a imagem do “nascimento” dela como artista. No texto inicial, apresento Virginia Woolf (1882-1941) em “Um Teto Todo Seu”, que argumenta serem essenciais as condições materiais para a dedicação ao trabalho intelectual. Nesse sentido, a família de Elke foi muito importante, apoiaram e deram suporte durante toda a caminhada inicial. Os projetos de seguir adiante após conhecer Lorenz Heilmair, foram essenciais. Partiu para Porto Alegre, ficou quase três meses na capital gaúcha trabalhando na oficina dele. Depois sua mãe a acompanhou em Munique, ficou cerca de três meses durante os períodos de prova e para organizar a estadia da filha na cidade. Muitas viagens foram realizadas, e o contato com o universo cultural desses grandes centros estão anotados: exposições, concertos musicais, peças de teatro e muito cinema.

 O que é mais relevante neste material? Algo novo, alguma descoberta?

Schvartz – Não sei se descoberta, mas para mim que pesquiso ela há anos, a cada projeto um novo olhar para o objeto é lançado. Na dissertação, procurei traçar um percurso mais amplo. Estava conhecendo-a, foquei nos escritos da critica sobre ela, nos locais em que circulou com suas obras e estabeleci relações entre suas obras das décadas de 1960 e 1970 com outros artistas. Na tese, o arquivo ganhou uma dimensão maior. Discuti a partir dele para fazer outras conexões com a história da arte. Ao ler o diário, me chamou muito atenção duas questões: a disposição da família em colaborar no seu projeto artístico/profissional e o quanto o modernismo foi importante para sua formação. O primeiro, permitiu a ela poder dedicar tempo integral aos estudos, no qual implica investir financeiramente nas viagens, na compra de materiais, no aluguel de moradias e na segurança em ter ao seu lado a sua mãe, que preparava todo o ambiente para a filha antes de regressar a Blumenau. O segundo, faz parte do ambiente em que vivia, citado em seu diário com frequência. O modernismo estava acontecendo, desde a arquitetura nas grandes cidades – construção da nova capital brasileira – quanto as exposições de arte no Brasil e na Alemanha.

Descreva os diários de Elke – colagem, montagem, tenso, formas breves? Por que ela escreve diários? Ela tem uma reflexão sobre o próprio gesto? É autobiográfico, tem reflexão ou são registros do cotidiano. Ou ela escreve para relatar a vida interior ou exterior, ou para recordar e combater a morte?

Schvartz – São dois cadernos. O primeiro escreve no Brasil e o segundo na Europa. São registros do dia-a-dia.

O escritor argentino Ricardo Piglia (1941-2017), no seu livro “Os Anos Felizes – os Diários de Emilio Renzi” (ed Todavia/2019), escreve: “Sempre se deve escolher a obra e não a vida, ou melhor, a obra constrói o modo de viver”. Isso é aplicável à Elke?

Schvartz – A Elke desses diários é diferente da Elke que iremos encontrar na exposição do Instituto Collaço Paulo. Ali no diário, ela estava começando, expressava o desejo de ser pintora, mas acabou buscando a escultura. Tudo era muito novo, não tinha a segurança e o amadurecimento que irá aparecer nos trabalhos que começa a fazer quando retorna ao Brasil.

Qual será a abordagem no Instituto Conversa?

Schvartz – Pretendo falar sobre o processo de construção do livro. Desde a concessão do acervo pessoal do filho Pedro Hering Bell até a elaboração do formato final que você encontrará na obra “Elke Hering: Diários de Formação”.

 

Serviço

O quê: Instituto Conversa – “Nasce a Artista” palestra de Daiana Schvartz e pré-lançamento do livro de sua autoria, “Elke Hering: Diários de Formação” (Editora Humana)

Onde: http://www.youtube.com/@institutocollacopaulo

Quando: 30.11.2023, 19h – 21h

Quanto: gratuito

 

Serviço

O quê: Livro “Elke Hering: Diários de Formação”, de Daiana Schvartz (Editora Humana, 2023)

Quando: Livro em pré-venda (envios a partir de 27.12.2023)

Quanto: R$ 35,00

Onde: http://www.humanasebolivraria.com.br/livros/elke-hering-diarios-de-formacao/

 

Serviço

O quê: exposição “Elke Hering – Metamorfoses”

Quando:  até 2.12.2023; seg. a sex., 13h30 às 18h30, sáb., 10h30 às 15h30

Onde: Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Educação, rua Des. Pedro Silva, 2.568, bairro Coqueiros, Florianópolis (SC)

Quanto: gratuito

 

*Entrevista publicada em 27/11/2023, realizada por Néri Pedroso, jornalista, responsável pela produção de conteúdo e comunicação do Instituto Collaço Paulo.

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